segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

OBRIGADO ESTRANHO - AS PALAVRAS QUE NUNCA TE DIREI (parte V)


(Parte V)


Passada cerca de uma semana após as peripécias de Gon-Gon com os humanos, uma nova jangada atracou no ilhéu. Desta vez desembarcaram quatro homens que, munidos de diversos equipamentos, começaram a inspeccionar palmo por palmo o território da pequena ilha. Traziam diversos equipamentos que, Gon-Gon viria a saber depois, tinham por finalidade a erradicação dos coelhos e outros roedores, bem como travar a erosão do ilhéu. Dias após dia, quase ininterruptamente, os homens regressavam repetindo o mesmo procedimento. Alguns dos da sua espécie receberam também eles uma pulseira, à semelhança do sucedido com Gon-Gon aquando da sua visita à Deserta Grande. Pterodrómia, para satisfação de Gon-Gon, foi uma das contempladas. A jovem fêmea já era linda sem qualquer tipo de jóias ou adereços mas, com aquela pulseira reluzente, ficava, aos olhos de Gon-Gon, simplesmente irresistível. Parecia uma espécie de aliança de noivado, a tal que Gon-Gon tanto desejara oferecer à companheira.
Enquanto isso o tempo passava e os sinais da gravidez de Pterodrómia eram cada vez mais evidentes. A esbelta fêmea aumentava de peso a cada dia que passava – desde o início da gravidez aumentara já cerca de cinquenta gramas – e o seu ventre estava cada vez mais saliente. “Nunca te pareceste tanto com o teu pai” atirou Gon-Gon em tom jocoso, numa alusão subtil ao ventre proeminente do senhor Freire, fruto, em grande parte, da ingestão de sumo de gramíneas fermentadas que o velho procelarídeo bebia prazenteiramente todos os dias em quantidades consideráveis; tirada de que Gon-Gon se viria a arrepender depois já que lhe valeu uma semana a dormir no chão da sala. Não raras vezes a falta de sentido de humor de Pterodrómia resultava em situações do género.
Entretanto o trabalho dos humanos começava já a dar os primeiros frutos. Os relatos referentes a ataques de coelhos e cabras no ilhéu diminuíam drasticamente a cada dia desde que aquelas criaturas começaram a sua intervenção. Por toda a colónia Gon-Gon era já visto como um verdadeiro herói. Afinal de contas fora ele que exigira que os mamíferos esquisitos repusessem o estado original das coisas no ilhéu. Corria até por toda a colónia que Gon-Gon seria mesmo o próximo candidato a líder do grupo de procelarídeos nas próximas eleições, papel no entanto refutado pelo intrépido macho, ou não fosse ele genro do actual chefe da colónia.
Decorriam os primeiros dias de Julho quando Pterodrómia sentiu as primeiras contracções. Começaram ao amanhecer e, poucos minutos depois, um garboso ovo jazia já sobre a cama do casal. Gon-Gon, que procurara reconfortar a companheira durante a postura, não conseguiu tolerar tanta emoção junta e aos poucos foi desvanecendo, acabando por desmaiar. “Que grande macho fui eu arranjar”, foram as primeiras palavras que Gon-Gon ouviu quando recobrou os sentidos, ditas pela jovem fêmea que lhe afagava o rosto.
Os tempos que se seguiram foram de grande azáfama entre o casal, que se desdobrava na busca de alimento. Por forma a poderem descansar e realizar as demais tarefas diárias, revezavam-se de quatro em quatro horas nos turnos de religiosa vigilância do ovo, o mais precioso tesouro que alguma vez haviam possuído. Tudo teria de estar em perfeitas condições no momento da eclosão de Bugio.

(Continua...)

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