Mal os primeiros raios de Sol que banhavam a ilha entraram por uma fresta da janela, Gon-Gon ergueu-se de um salto da cama, tomou o pequeno-almoço e dirigiu-se para fora inspirando profundamente o ar quente e seco que lhe bafejava o rosto. O dia estava solarengo e calmo. O vento que nos dias anteriores fustigara impiedosamente o pequeno ilhéu não passava já de uma mera recordação. Gon-Gon fez os seus alongamentos matinais e, abrindo as asas, mergulhou resoluto na massa de ar aquecida pelo Sol rumo à Deserta Grande.
Chegado à principal ilha do sub-arquipélago o arrojado macho dirigiu-se ao posto da pequena colónia de humanos. Sempre com o ouvido à escuta, caminhou pé ante pé até junto daquilo que lhe parecia ser a entrada daquela enorme caverna, uma imponente estrutura em madeira. Como não descortinou qualquer ruído proveniente do seu interior Gon-Gon decidiu bater com o bico na porta esperando de alguma forma ser correspondido. Naquele momento o coração do jovem macho estava aos saltos e, por breves instantes, Gon-Gon ainda pensou em dar meia volta. Decorridos poucos instantes ouviu pesados passos – seguramente de um dos humanos – ao que se seguiu a abertura da pesada porta, deixando-o frente-a-frente com um daqueles mamíferos a quem chamavam homens. “Agora não há retorno”, pensou o jovem macho, fazendo um esforço para se aguentar sobre as patas tremelicantes.
Ao deparar-se com a figura da pequena ave ali à sua frente o homem que recebeu Gon-Gon pareceu ficar tão assustado quanto ele. Estacado diante da porta escancarada, os olhos esbugalharam-se-lhe de tal modo que Gon-Gon praticamente conseguia discernir-lhe todo o globo ocular. Sempre sem retirar os olhos de Gon-Gon, aquela figura exótica vociferou uns sons esquisitos para o interior daquela espécie de caverna – de onde emanava um calor agradável – após os quais surgiu outro indivíduo quase tão esquisito quanto o primeiro, também ele estarrecido como se estivesse a contemplar algo do outro mundo.
Após o impacto inicial Gon-Gon decidiu que era tempo de estabelecer comunicação com os dois homens: “Mim ser Gon-Gon” disse, com uma vocalização calma e pausada o jovem macho, evitando a todo o custo deixar transparecer o medo que sentia. “Eu procurar vocês porque nós precisar de ajuda de mamíferos sem pêlo” acrescentou, logo prosseguindo “Vossos animais estar destruindo nosso habitat no ilhéu e nós querer que vocês reponham tudo como estava”, concluiu, apontando com a ponta da asa em direcção do ilhéu. Passados alguns instantes os dois homens começaram a verbalizar entre si. Escusado será dizer que Gon-Gon não percebeu nada do que diziam. Apesar disso, o procelarídeo não tinha dúvidas de que de certa forma aqueles seres estranhos tinham percebido a sua mensagem, visto que a mesma despoletou um verbalizar e gesticular frenético entre os dois homens. Pouco depois pegaram carinhosamente em Gon-Gon envolvendo-o com os membros que não utilizam para caminhar e levaram-no para o interior da caverna. Lá dentro agasalharam a jovem ave e puseram-lhe uma espécie de pulseira numa das patas – por sinal muito fashion, pensou Gon-Gon – enquanto verbalizavam entre si. Apesar do ambiente estranho, Gon-Gon sentia-se tranquilo entregue àquelas estranhas criaturas. Em nenhum momento sentiu-se ameaçado por aqueles animais que, segundo Gon-Gon, apenas pecavam pelo seu mau aspecto – “ainda se tivessem mais pelo”, pensava o jovem macho, mirando disfarçadamente os seus anfitriões já que o que menos desejava naquele momento era ferir susceptibilidades.
Pouco depois de lhe terem pesado, medido o bico, as asas e outros tantos procedimentos estranhos que Gon-Gon nunca chegou a perceber para que serviriam, os homens, já no exterior da caverna, dirigiram-se à praia encaminhando-se para uma daquelas jangadas esquisitas que se movem sozinhas, sempre com Gon-Gon envolto nos membros de um deles. À medida que a jangada se afastava da terra Gon-Gon apercebeu-se de que rumavam ao ilhéu. Chegados ao destino, os homens subiram a custo e com a respiração ofegante a íngreme escarpa Oeste até ao planalto. Uma vez no topo deixaram o jovem macho junto de um monte de rochas, não muito longe da sua casa – “se era para isto obrigadinha”, pensou Gon-Gon quando o pousaram no solo. “Se calhar acham que lhes bati à porta para pedir boleia” murmurou entre bico enquanto, sob o olhar atento dos homens, levantava voo rumo a casa.
(Continua...)
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